O sargaço da Apúlia
Por: Adolfo Luxúria Canibal, |
Quando em 1140 D. Afonso Henriques deu o couto da vila medieval de
Menendi aos monges beneditinos do Mosteiro de Tibães, não imaginava que
estava a abrir caminho para uma das mais geniais invenções humanas.
A apanha do sargaço na Apúlia decorre de uma invenção genial na agricultura
Efectivamente,
na faixa arenosa de 2 km de largura que se estende pela costa da
Apúlia, os beneditinos viriam a criar uma forma de agricultura única no
mundo e singularmente produtiva: os campos masseira.
Sabe-se hoje que essa vila de Menendi sucedera à Villa Menendiz, um
povoado situado a sul da presente povoação da Apúlia, no actual sítio da
Ramalha (objeto de escavações arqueológicas nos anos 50 do século XX),
que terá sido a mais importante localidade da costa de Esposende na
época romana.
Abandonada quando das invasões bárbaras, devido à insegurança que
grassava no litoral – com sucessivos saques e pilhagens vindos do mar a
obrigarem a população a refugiar-se um pouco mais para o interior –, a
Villa Menendiz acabou soterrada pelas areias costeiras.
E assim, com o advento do reino de Portugal, era já a vila de Menendi
que existia e foram as suas terras, que abarcavam o que é hoje grande
parte das freguesias de Apúlia, Estela e Necessidades, que constituíram a
coutada doada aos beneditinos de Tibães. E estes, para conseguirem
agricultar essa faixa de terreno arenoso e improdutivo, batida
insistentemente pelas nortadas, acabaram por inventar no século XVIII as
‘masseiras’ ou ‘campos masseira’: umas covas largas, rectangulares ou
quadradas, com aproximadamente 3 metros de profundidade.
Essas covas protegiam as culturas do vento, e os seus fundos ficavam
próximos do nível freático – sendo depois divididos em talhões, para
acolherem as diferentes culturas agrícolas. A areia retirada para abrir
os buracos era acumulada nas bordas, em taludes denominados ‘valos’, em
cujos cantos eram cultivadas vinhas (que seguravam as areias e
reforçavam a protecção aos ventos).
Estas covas assim trabalhadas funcionavam como estufas de elevada
fertilidade, optimizada pelo adubo utilizado e pela abundante presença
de água. A adubação, feita à base de sargaço ou algas marinhas, era
outro dos segredos para a produtividade alcançada – pois o sargaço não
só aumentava a resistência das culturas às doenças e parasitas como
favorecia a sua precocidade e abundância.
O caso é que, ao entrarem em decomposição, as algas elevavam a
temperatura da fermentação aeróbica e aceleravam a biodegradação de
folhas e estrumes, melhorando os solos ácidos e tornando férteis as
áreas arenosas e improdutivas.
Daí decorre o desenvolvimento da característica actividade da apanha do sargaço que a Apúlia protagonizou, a ponto de o sargaceiro se ter transformado na principal imagem da povoação.
Infelizmente, com a venda das areias dos taludes à construção civil,
esta tão singular forma de agricultura está em perigo desde os anos 90
do século passado, sendo hoje raras as masseiras que mantêm a sua
integralidade…
Fonte: Sol Online- Opinião
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