Da Apúlia a Esposende
PASSEIOS E PERCURSOS
Da Apúlia a Esposende
Por Ana Isabel Mineiro
A imagem que retemos das praias da Apúlia não é o areal branco e limpo, nem o mar frio e caprichoso; é aquela curiosa fila de moinhos instalados no cimo das dunas para aproveitar os ventos fortes da zona.
Moeram milho ainda durante o século passado, e agora, recuperados pelos proprietários, são excelentes poisos de Primavera e Verão, num lugar verdadeiramente privilegiado, quer pelo sossego quer pelas vistas sobre a longa e estreita costa que se prolonga a perder de vista. Se o vento não soprar com muita força, o cordão de dunas abafa o barulho do mar e só lá do cimo, junto aos moinhos, é que nos apercebemos do seu balanço ritmado na linha branca de areia que segue para norte e para sul. Escolhemos o norte, numa manhã calma e de céu parado. À nossa esquerda, o mar; à direita, as antigas barraquinhas de guardar o sargaço, algumas habitações, tudo encarrapitado numa tira estreita de areia que o mar não há-de querer poupar durante muito mais tempo. Alguns barquitos de pesca artesanal dão um ar rústico à praia, mas a parte mais bonita - e selvagem - fica um pouco mais à frente.
À medida que caminhamos as dunas parecem crescer e encrespar-se numa barreira contra as ondas, que vão deixando alguns despojos marinhos aos seus pés. No cimo, nem casas nem moinhos, apenas a vegetação selvagem que antecede o pinhal sombrio de Ofir, que se alcança por um passadiço de madeira. Mas quem prefere o sol continua pela areia, em direcção ao pontão que assinala a parte mais concorrida da pequena praia. No Verão, não faltam bons locais para arrefecer a pele em banhos salgados e frescos, partilhando com frequência a água com algas variadas, que depois se vêm estatelar na areia em desenhos abstractos - um autêntico SPA, com a vantagem do ar livre.
O pior vem a seguir: junto à praia de Ofir, duas gigantescas torres de apartamentos saem das areias, incongruência tanto mais imperdoável que estamos na Área de Paisagem Protegida de Esposende e do Parque Natural do Litoral Norte. O mar, domado aqui por dois pontões, é mais liso e procurado pelos banhistas do que mais adiante, onde cavalgam na espuma os rochedos escuros a que chamam Cavalos de Fão. Cavalos-marinhos, certamente, que podemos tentar alcançar se a maré estiver de feição, mas depois de duas horas com os pés na água, preferimos apanhar o passadiço de madeira que nos leva em direcção ao rio.
Entre Mar e Rio
Viramos para norte e entramos numa área de bosque dunar: arbustos baixos, plantas rasteiras e flores saem da areia, numa pequena amostra do que seria a zona no seu estado natural, sem interferências humanas. Uma placa no início deste percurso, que nos conduz por um passadiço até ao ponto mais alto das dunas, dá-nos conta da riqueza faunística desta zona entre mar e rio, cujas ilhotas e margens abrigam inúmeras espécies de aves, e mesmo algumas tímidas lontras (da espécie "invisível", disse-nos por brincadeira um amigo de Esposende). À medida que a vegetação baixa, maior é a visão sobre o mar, de um lado, e sobre o rio Cávado, do outro. Serpenteamos sobre as tábuas de madeira do caminho até ao miradouro. Lá no cimo, espera-nos uma visão fantástica de cento e oitenta graus sobre a foz, o espelho parado do rio com os seus tufos de ilhotas, a linha de casas brancas de Esposende, o verde-escuro do pinhal de Ofir e, de novo, o mar, antecedido pela risca branca do areal.
Regressamos pelo mesmo caminho, mas desta vez mantemo-nos do lado oposto à praia, junto ao rio, penetrando no pinhal onde, muito menos tímidos que as lontras, alguns esquilos moreninhos saltam de árvore em árvore, eriçados, à nossa passagem. Chegamos a Fão percorrendo estradinhas labirínticas e sombrias, cujo arvoredo esconde moradias invejáveis. Adormecida, a povoação espalha-se dos dois lados da ponte sobre o Cávado, desenhada no atelier de Eiffel. A zona antiga é um emaranhado de ruas estreitas refrescadas por sombras de muros altos e pela presença do rio. Algumas fachadas ainda conservam um certo charme antigo, mas falta-lhes a atenção que já foi dada à outra margem, em Esposende.
Esposende ao perto e ao longe
À primeira vista, o casario certinho de Esposende parece demasiado previsível, alinhado com a margem do rio e como que aparado por cima, para não crescer. Mas umas voltas pelo interior mostram-nos que as ruas têm surpresas escondidas: arcos, pracetas agradáveis com esplanadas, ruas de peões, praças arborizadas. Reina o branco e os detalhes de granito, como é costume no Minho, mas a ditadura não é total, e a cor vai aparecendo em algumas fachadas.
Quase no fim da povoação, junto ao rio, fica o Forte de S. João Baptista e o pequeno farol que marca a entrada da barra. Há muito que o assoreamento progressivo do Cávado lhe retirou a importância que teve nos séculos XV e XVI, época em que Fão chegou a ter uma importante indústria naval e se podia navegar rio acima, até às imediações de Braga. Neste momento, a foz é um local a não perder pela sua beleza, e poucos locais oferecem um pôr-do-sol como este, com vistas sobre a curva muito redonda do rio em volta das areias de Ofir, onde as ondas se desfazem em espuma. O único rival sério será, talvez, a capela de S. Lourenço. Fica a cerca de três quilómetros daqui, no cimo de um monte e no local de um castro da Idade do Ferro que comprova a antiguidade do povoamento desta zona tão fértil. No lugar da antiga necrópole fica agora a capela do santo que, dizem os entendidos, é muito bom para sarar as dores de dentes; mais justo seria que protegesse a visão, já que a panorâmica que se abrange daqui, num dia perfeitamente claro, vai da Póvoa até quase a Viana!
Lá em baixo, Esposende é agora um casario diminuto e branco junto ao rio, o mar é uma barra azulada e luminosa debruada pela sombra verde-escura dos pinhais. E entre o monte e o mar ficam os campos verdes, lisos e simétricos como uma folha de papel quadriculado.
Como ir
A Apúlia, onde iniciámos esta escapada, fica a cerca de 45 quilómetros a norte do Porto. O IC 1 tem uma saída para aqui, e também para Fão e Esposende. A EN 13, paralela ao litoral, também permite uma ligação fácil aos locais mencionados. Já na zona, a visita é feita com uma combinação de percursos a pé, pela praia, dunas e pinhal, e de automóvel, no que diz respeito à ligação de Fão a Esposende, e daí ao castro e capela de S. Lourenço.
Quando ir
Em qualquer altura do ano, tendo sempre em conta que a costa do Minho é muito ventosa, mesmo de Verão. Em contrapartida, diz-se que é das zonas do país com mais iodo.
Onde comer
Nesta zona as especialidades são os rojões e, sobretudo, o marisco e o peixe - é conhecido o arroz de robalo, por exemplo. Há muitos restaurantes à escolha mas, na Apúlia, o Camelo, na rua do Facho (Tel. 253987600) é a melhor opção. Em Esposende, um dos endereços recomendados é o Varandas do Cávado, no Hotel Suave Mar. Em Fão, não deixar de provar os folhados com doce de ovos e as famosas Clarinhas de Fão da Casa das Clarinhas, na rua Visconde S. Januário. O Bar da Praia, junto ao Forte S. João Baptista, está numa situação privilegiada com vista sobre o mar e a foz do Cávado, e serve refeições ligeiras.
Onde ficar
Por exemplo, na Estalagem Parque do Rio (tel. 253 981 521/3), se pretender ficar em Fão (Ofir), entre o mar e o rio. Um quarto duplo custa entre os 65 e os 80 euros. No coração de Esposende, na Av. Eng. Arantes de Oliveira, fica o já clássico Suave Mar (Tel. 253 969 400), com vista para o estuário do Cávado, e preços que rondam os 90 euros.
Informações
Posto de Turismo de Esposende: Av. Eng. Arantes de Oliveira, Tel. 253961354. Aberto das 9h30 às 12h e das 14h às 19h. Na Net: www.rtam.pt. Região de Turismo do Alto Minho, Viana do Castelo, tel. 258829798.
Ana Isabel Mineiro (PÚBLICO)